O Baralho Cigano e seu imaginário

Posted by: Constantino K. Riemma

Antes de os ciganos começarem a instalar seus acampamentos pelo centro-oeste da Europa, em meados do século XV, nobres e ricos de origem italiana e francesa já encomendavam aos artistas de seu tempo, a peso de ouro, coleções das 78 cartas, que hoje conhecemos por Tarô.

Os ciganos, porém, associaram seu nome às cartas de jogar. A razão para isso é as mulheres ciganas incluirem entre suas habilidades a leitura de sorte, em especial a quiromancia, a predição pelas linhas das mãos. Para o nômade, que carrega poucos pertences, é um recurso prático: não exige instrumentos especiais nem providências complicadas. Basta a palma da mão do consulente.

À medida que se desenvolveram as técnicas de impressão dos baralhos, os jogos se tornaram mais acessíveis e muitos ciganos passaram a utilizar as cartas para ler a sorte, já que são pequenas e simples de manejar.

Personagens, sim.

Não encontramos registros históricos que indiquem os ciganos como autores do baralho. Entre suas habilidades mais notáveis não se incluiam as artes plásticas, no sentido europeu do termo, nem as técnicas de impressão em papel. No entanto, cabem eles muito bem como personagens dos trunfos.

O Baralho Cigano e seu imaginário

A figura do cigano, no cenário europeu do século XVI, pode ser mesclado à dos peregrinos, monges-viajantes, ambulantes, prestidigitadores, andarilhos e nômades. Espíritos inquietos, aventureiros, que não conseguem permanecer em suas comunidades de origens. Cabem todos eles, muito bem, como representantes do arcano sem número (0 ou 22) O Louco e do (1) O Mágico.

O Mago em dois tarôs antigos: Bateleur (francês), Bagattelliere (italiano); Magician (inglês) | À direita gravura (1851) de um mágico (conjurer) em plena performance.

O Louco e o Mago podem perfeitamente representar dois momentos do andarilho ou nômade, monge ou cigano. Na estrada: trouxa sobre os ombros. Nas feiras ou nas ruas montam o espaço de encenação, uma combinação fascinante de habilidades e manobras ocultas. É o mágico, hábil, astuto, enganador e muitas vezes trapaceiro.

São os saltimbancos, prestidigitadores, artistas, andarilhos e nômades de todas as espécies, a circularem de vila em vila, levando as novidades, sempre inventando artifícios para garantir a sobrevivência. Entre eles, os ciganos.

Não existem baralhos ciganos antigos

Mesmo pesquisando com toda paciência os livros disponíveis e a Internet não encontraremos exemplares históricos de baralhos que pudessem ter sido criados ou impressos por ciganos.

A quase totalidade dos anúncios que vemos hoje nos sites e folhetos sobre tiragens e baralhos ciganos, utilizam na verdade as 36 cartas do baralho Petit Lenormand, uma simplificação dos arcanos menores, ou melhor, do baralho comum. Sua atribuição à Madame Lernormand, parece ter sido uma estratégia de marketing dos herdeiro da famosa cartomante francesa.

Sabemos, agora, que as 36 ilustrações do Petit Lenormand são cópias de um jogo de lazer editado na Alemanha por Johann Kaspar Hechtel (1771-1799). Trata-se de uma fonte que nada tem de esotérica ou cigana.

Apenas nas últimas décadas foram criados baralhos intitulados ciganos, que consistem, em sua quase totalidade, no redesenho de imagens ou em adaptações mais ou menos distanciadas das originais 36 cartas do Petit Lenormand, como pode ser conferido abaixo:

Exemplos de cartas do Baralho Cigano

Diante da profusão de jogos de baralhos readaptados e inventados nas últimas décadas, os temas ciganos são mais raros na Europa e um pouco mais comuns nas Américas. No entanto, boa parte das edições são regionais, difíceis de serem encontradas e adquiridas, mesmo com a ajuda da Internet.

Apenas um tarô europeu, redesenhado com motivos ciganos, foi bem divulgado: Zigeuner Tarot ou Gipsy Tarot Tsigane, de Walter Wegmüller. Ele deixou para trás o baralho de Lenormand, com 36 cartas, e reproduziu o tarô completo, com os 22 arcanos maiores e os 56 menores, como se mostra abaixo.

Cartas do pintor boêmio Walter Wegmüller, executadas entre 1968 e 1974. | O autor do desenho mantém o layout do baralho europeu, próximo ao de Oswald Wirth, como fica evidente nos exemplos acima.
No caso dos arcanos menores o pintor recria as cartas de modo mais pessoal, em articular no caso das cartas numeradas de 2 a 5, que foram suprimidas no Petit Lenormand.

Os Baralhos Ciganos brasileiros

Se procurarmos pela Internet será possível encontrar alguns baralhos designados ciganos. Quase sempre são reproduções do Petit Lenormand com ilustrações mais ou menos próximas do original francês. Mesmo os profissionais que anunciam cursos de Tarô Cigano, utilizam quase sempre como ilustrações as cartas do baralho Lenormand ou de suas adaptações.

Por outro lado, encontramos entre os usuários desses baralhos uma disposição psíquica para ligar as cartas com entidades ciganas, quer entre sensitivos sem uma filiação religiosa declarada, quer entre praticantes espíritas e de ritos afro. Trata-se de mais um exemplo de receptividade do astral brasileiro, expressão de sincretismo que vale a pena estudar mais.

Cigana das Sete Saias (à esq.), Cigano Pablo e Cigana Indiana são pinturas mediúnicas de Maria do Carmo da Hora; Pai Casteliano Cigano (à dir.) é uma pintura de Joaquim Vilela
Fontes: www.flogao.com.br/ciganinhas/profile e www.temploacaleno.webnode.com.br

Como é muito comum constatar no Brasil, o baralho pode funcionar como um simples instrumento de apoio, um suporte para os sensitivos e videntes exercerem seus dons. Nesses casos, o significado das cartas não seguem normas predeterminadas e dependem em grande parte do código pessoal do sensitivo ou médium.

Certamente, por esse Brasil afora, ainda existem muitas cartomantes – ciganas e não-ciganas – que, na falta de tarôs mais caros, continuam a utilizar as cartas do baralho comum. Manifestam talentos que não dependem necessariamente das publicações sofisticadas do tarô.

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